segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Nem um peixinho?

Adoto a alimentação sem carnes há mais de treze anos e nesses parâmetros eduquei minha filha.

Helena, com dez anos de liberdade de escolha e plena saúde, não quer comer os animais. Prefere acariciá-los e observá-los com sua máscara de mergulho.

Foi muito fácil parar de ingerir carnes, pois nunca fui muito adepta aos músculos e órgãos alheios. Pouco afeita ao paladar, consumia mais "carne disfarçada": bem pequenininha, temperadinha e se possível escondidinha. Hoje sei que me alimentava por mero condicionamento cultural. Do famoso camarão, sempre guardei péssimas lembranças digestivas, como bem sabe a minha irmã, que sempre me socorreu nos apuros.

Com esse histórico, não mereço muitos louros por parar de comer carnes. Foi uma mudança natural.

Ao ler o livro Comer Animais de Jonathan Safran Foer, travei contato com o relato de um autor que sempre comeu carne e adorava seu sabor.

Froer em um apelo trazido pela paternidade, fez uma consistente pesquisa sobre a indústria da carne, matadouros, abatedouros, os métodos industrias de pesca e seus reflexos no meio ambiente. Ele não levanta qualquer bandeira ambientalista e nem tampouco é um vegetariano ativista.

Em busca de seus valores, optou por parar de comer carnes por um exercício de ética.

Muitos hábitos são apenas reflexos da incultura sobre um determinado tema. Por isso compartilho essa sugestão de leitura.


Abaixo, algumas reflexões do autor. Escolhi trechos relacionados aos encantadores cavalos-marinhos, vez que seus pares peixes e frutos do mar, por serem muito diferentes de nós, são os mais subjugados.

Não sabemos que a pesca artesanal corresponde apenas a 1% da criação e que os demais 99% correspondem a produção industrial que utiliza tecnologia de guerra, com radares e sonares, gps baseado em satélites e navios repletos de tecnologia para capturar cardumes inteiros e todos os outros animais capturados "acidentalmente" nessa batalha. Froer traz à tona uma verdade que ninguém quer ver.

O autor ilustra que cada prato de sushi precisaria ter um metro e meio de diâmetro para acomodar os belos animais mortos por captura acidental. Não consigo não achar triste.





" Para cada dez atuns, tubarões e outros grandes peixes predadores que estavam nos oceanos de cinquenta a cem anos atrás, sobrou apenas um."


" Cavalos-marinhos, mais do que a maioria dos animais, inspiram estupefação - eles chamam nossa atenção para as assombrosas semelhanças e as diferenças entre cada tipo de criatura e todas as outras. Podem mudar de cor para se mesclar com o ambiente e bater suas nadadeiras dorsais quase tão rapidamente quanto um beija flor bate suas asas. ...

...Não são exímios nadadores; podem morrer de exaustão quando pegos mesmo por pequenas correntes, então preferem ancorar-se em algas marinhas ou corais, ou uns aos outros - eles gostam de nadar aos pares, ligados por seus rabos preênseis...

... Cavalos marinhos têm rotinas complicadas para fazer a corte e tendem a se acasalar em noites de lua cheia, fazendo sons musicais enquanto isso. Vivem relações monogâmicas duradouras...







...O que talvez seja mais incomum, contudo, é o fato do macho carregar os filhotes por seis semanas. Os machos ficam "grávidos", não somente carregando, mas também fertilizando e nutrindo com secreções líquidas os ovos em desenvolvimento. A imagem dos machos dando à luz é sempre assombrosa: um líquido turvo irrompe da bolsa de gestação, e, como um passe de mágica, cavalos-marinhos minúsculos mas formados por completo aparecem de dentro dessa nuvem. ...

...Como um escritor consciente dessa história de Kafka, comecei a sentir um certo tipo de vergonha no aquário...E havia vergonha por ser humano: a vergonha em saber que 35 espécies de cavalos-marinhos classificadas no mundo estão ameaçadas de extinção porque são mortas "sem querer" na produção de frutos do mar...

...A vergonha pela matança indiscriminada, sem nenhuma necessidade nutricional, causa política, ódio irracional ou conflito humano insolúvel. Sentia-me culpado pelas mortes que minha cultura justificava com uma preocupação tão tênue quanto sabor do atum em lata (os cavalos-marinhos estão entre as mais de cem espécies mortas como "captura acidental" na indústria moderna de atum) ou pelo fato de os camarões constituírem convenientes hors d'oeuvres (a pesca de arrastão do camarão devasta as populações de cavalos-marinhos mais do que qualquer outra atividade)....

...Sentia vergonha por viver numa nação de prosperidade sem precedentes - uma nação que gasta em alimentação o menor percentual de sua renda que qualquer outra civilização da história da humanidade - mas que, em nome do baixo preço, trata os animais com uma crueldade tão extrema, que seria ilegal se infligida a um cachorro....

...E nada inspira mais vergonha do que ser pai ou mãe. As crianças nos confrontam com nossos paradoxos e hipocrisias, e ficamos expostos. Precisamos encontratar uma resposta para cada por quê - Por que fazemos isso? Por que não fazemos aquilo? - e com frequência não há uma boa resposta...

...Meu filho não apenas me inspiroua reconsiderar que tipo de animal consumidor de alimentos eu seria, mas me deixou envergonhado a ponto de eu ter que reconsiderar."

Jonathan Safran Froer,
trecho extraído do livro Comer Animais.